Corro para o Alvo

Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Filipenses 3.14-15

segunda-feira, abril 01, 2013

O sistema miojo de ensino

LEANDRO MARSHALL
Professor universitário, é doutor em ciências da comunicação, pós-doutor em sociologia e mestre em teorias da comunicação

Publicação Correio Braziliense: 30/03/2013

Um aluno do ensino médio no Brasil incluiu recentemente em sua redação do Exame Nacional do Ensino Médio uma receita de macarrão instantâneo. Note-se que o tema da redação era imigração no Brasil. Entretanto, cansado de “pensar” e de escrever sobre os retirantes, o candidato resolveu, no penúltimo parágrafo, introduzir, como plus, a fórmula científica da preparação de um macarrão. 

O candidato alegou que inseriu o parágrafo sobre o miojo “para testar o novo sistema de avaliação do Enem”. Parabéns. Ele conseguiu conquistar 560 dos mil pontos possíveis. E, surpreendentemente, o texto foi avaliado como “adequado” pelos avaliadores. Os analistas acharam que o texto tinha conteúdo e que não precisava ser submetido a um terceiro avaliador. 

O caso lembra o episódio do padeiro paraibano Severino da Silva, de 27 anos, que, em 2001, passou no vestibular de direito de uma universidade carioca. Apesar de não se sentir bem na hora da prova nem ter escrito a redação, Severino foi selecionado. E de forma espetacular: ele ficou no 9º lugar geral, com 2.562 pontos. Fato semelhante aconteceu na cidade de Ribeirão, em Pernambuco, em 2010, onde um candidato analfabeto foi aprovado em concurso público para a prefeitura. Ele ficou em 44º lugar entre 70 candidatos. 

Não podemos esquecer que, na última eleição, o palhaço Tiririca, candidato a deputado federal, aprovado nas urnas, foi submetido pela Justiça Eleitoral a um teste para comprovar se ele sabia ler e escrever. Parece que ele passou, já que tomou posse. O fato é que três meses antes da prova ele sumiu do mundo para fazer não se sabe o que.

Aliás, na política, a inanição cultural e educacional é espantosa. Assim como o caso do deputado Tiririca, em todas as eleições os candidatos têm que provar o mínimo de conhecimento letrado. Veja-se, por exemplo, que na cidade de Aracati, no Ceará, em 2004, os 18 candidatos foram obrigados a ler um trecho do livro infantil O menino mágico, de Rachel de Queiroz. Três não conseguiram fazer a prova. 


Coisa pior aconteceu em São Gabriel do Oeste (MS). Vinte e dois candidatos tinham que fazer uma prova, com uma hora para escrever 20 palavras, fazer as quatro operações matemáticas básicas e explicar qual a sua interpretação de um texto. Apenas 11 (metade) foram aprovados. Alguns tiraram nota zero: não conseguiram sequer somar, diminuir, dividir e multiplicar. 



O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2013 e a Prova Brasil de 2011 revelaram nos últimos meses que apenas 10,3% de seus estudantes do ensino médio dominam os conhecimentos de matemática (adequado à sua série). Os outros 90% estão “boiando”. E pior: regredimos. Em 2009, o percentual de analfabetos em matemática (em sua série) era de 11%.



Os resultados em língua portuguesa foram menos (!) dramáticos. Dos 100%, um total de 29,3% dos alunos sabe o conhecimento adequado para a série em que está. Os outros 70% também estão “boiando”. O levantamento anterior indicava o mesmo percentual.



Para finalizar, é sempre pertinente lembrar que o Brasil ainda tem 16 milhões de analfabetos. São pessoas que estão totalmente à margem da sociedade civil, do direito, da Justiça, da saúde, da educação e de tudo o mais. Estão à margem da sociedade, vivendo, mais ou menos, no século 1.000 a.C. 



Não bastasse isso, é importante acrescentar que, além dos analfabetos totais, o Brasil possui 30 milhões de analfabetos funcionais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, os analfabetos funcionais são pessoas com 15 anos ou mais de idade que não possuem sequer quatro anos completos de estudo. Têm, portanto, enorme dificuldade para ler e escrever, mas, sobretudo, uma grave incapacidade para compreender o sentido de um texto ou de uma fala.



Esse é, enfim, o retrato do Brasil, em pleno início do século 21, nação que possui mais televisões do que geladeiras, ostenta o índice de dois celulares por pessoa, está completamente imersa na mania do Facebook, lê quase quatro livros por ano, idolatra os músicos do “lek, lek, lek” e considera os personagens do BBB verdadeiros intelectuais. 



Concluindo: lembro o despacho da desembargadora Sirley Biondi, da 4ª Região do TRT, de 17 de janeiro de 2007. Diante de tantas aleivosias na petição, a juíza não resistiu e teceu o seguinte comentário na sua sentença: 



“Insta ser salientado que os advogados que assinaram as contra-razões necessitam com urgência adquirir livros de português de modo a evitar as expressões que podem ser consideradas como injuriosas ao vernáculo, tais como “em fasse” (no lugar de “em face”), “não aciste razão” (assiste), “cliteriosamente” (criteriosamente), “doutros julgadores” (doutos), “estranhesa” (estranheza), “discusão” (discussão), “inedoneos” (inidôneos)... Acrescenta-se, ainda, que devem os causídicos adquirir também livros de direito, à medida que nas contra-razões constam “pedidos” como se apelação fosse, o que não tem o menor cabimento”. 

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